domingo, 27 de dezembro de 2009

ÚLTIMO DOMINGO DO ANO!


Domingo

Hoje é domingo

Dia do consagrado.

Tudo deveria estar

no lugar mais adequado.


O sorriso no rosto das crianças

dos velhos

e sobretudo dos adultos


- a eles cabe

a responsabilidade

do humor da humanidade.

A comida nas panelas

de todos os lares.

Um cobertor para afastar o frio

na necessidade.

Águas limpidas serenas

correndo em todos os rios

- aí estão para matar as sedes.

As aves voejando em céu de anil

cantando colorindo espaços.

A chuva caindo onde fosse preciso.

Flores espontâneas

em todas as campinas

brisa leve e limpa

fazendo-as dançar.

Deveria haver

campos floridos sim

circundando todas as cidades.

Uma oração em cada pensamento

e a prece sendo

de agradecimento.

Que pena!

As coisas não estão assim!

Melhor então

que a prece seja

pedido de perdão.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Fernando Pessoa…e um encontro na Tabacaria

Minha nossa!

Tudo que escrevi há alguns dias passados (ANO NOVO), me pareceu algo otimista…uma mensagem cheia de vontade de viver e de buscar o positivo da vida…E de admirar, na palma da mão, o faiscar das gemas que encontramos ao caminhar.

Porque as encontramos, sim!

Mas, em alguém, para minha surpresa, o texto provocou efeito contrário.

(Ah, Aline, a Dichte, a densa, minha amiga!…)

Despertei em Aline um sentimento de perplexidade e desconsolo. Escreveu-me ela, e pediu-me que publicasse. (Meu respeito à bipolaridade da vida concordou!) Pelo que eu percebo é a vida a causa primeira, o princípio básico, a razão inicial do transtorno bipolar.

Eis Aline:

“Sinto muito não acompanhar você em seus sentimentos. Aliás, não sinto nada!

Ou melhor, sinto!…com Fernando Pessoa:

  • Não sou nada.
  • Nunca serei nada.
  • Não posso querer ser nada.
  • À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
  • …………………………………………….
  • Falhei em tudo.
  • Como não fiz propósito nenhum,talvez tudo fosse nada.
  • ……………………………………………..
  • Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
  • Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
  • E há tantos que pensam a mesma coisa , que não pode haver tantos!
  • Gênio?
  • Neste momento cem mil cérebros se concebem, em sonho, gênios como eu,
  • E a história não marcará, quem sabe, nem um.
  • ………………………………………………….
  • Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
  • Tenho apertado no peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
  • Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
  • Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda , ainda que não more nela.
  • ……………………………………………………
  • Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta, ao pé de uma parede sem porta.……………………………………………………
  • Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
  • O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
  • e o resto que venha, se vier,ou tiver que vir, ou não venha.
  • ……………………………………………………..
  • Meu coração é um balde despejado.
  • Como os que invocam espíritos invocam espíritos,
  • eu invoco a mim mesmo e não encontro nada.

…e este Fernando Pessoa me fez declarar, em instante, não amargo, mas…lúcido:

  • Não posso desligar o som.
  • Se o fizer, escuto o respirar,
  • o que pode me fazer acreditar que vivo, o que não é verdade.

  • Como pode estar vivo quem nada tem a esperar?
  • Quem passeia em nebulosas sem sentido,
  • Quem, diante do mistério, não o consegue decifrar?
  • Quem, ao nascer, foi carimbado:”MORTO”

  • Quem, embora ande, coma, durma,
  • não passa de um aborto que sonha que está vivo
  • e se espanta ao não se abrirem portas quando ele passa desejando entrar…

Amiga minha, agora quem fica desolada sou eu…não te quero assim…

Mas, se te consola um pouco, quero dizer que te compreendo.

Também eu (e creio que todos nós) tenho os meus momentos de lucidez…que brilham em noite escura:

E o “velho” Fernando esclarece:

Fiz de mim o que não soube

E o que podia fazer de mim não o fiz.

O dominó que vesti era errado.

Conheceram-me logo por quem não era

e não desmenti, e perdi-me.

Quando quis tirar a máscara,

estava pegada à cara.

Quando a tirei e me vi no espelho,

já tinha envelhecido.

Nem o próprio poeta vive eternamente neste sentimento de ”condenação ao degredo”.

Tem ele, seus impulsos bastante entusiastas:

Depois de amanhã serei outro,

A minha vida triunfar-se-á,

Todas as minhas qualidades de inteligente, lido e prático

serão convocadas por um edital…

Então vamos pular o amanhã e nos envolvermos diretamente com o depois de amanhã!!!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O POETA... E A MENTIRA


Nem um único poeta merece confiança.
Tenho absoluta (quase!) certeza:é essencial que se desconfie da sinceridade poética de todos eles.
CHICO BUARQUE mente...e assume isto com uma displicência estarrecedora. Quem o ouve cantando "Cecília" e o crê tímido e apaixonado, se assusta ao vê-lo dizer, com toques de ironia e um risinho debochado:"...as minhas [ mulheres] são todas inventadas!"

FERNANDO PESSOA ?...um fingido contumaz!

MANOEL DE BARROS fantasia :

" O olho vê, a lembrança revê,
a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo"...
...............................
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria."

MÁRIO QUINTANA inventa:
Eu já escrevi um conto azul, vários até.
Mas este agora é um conto de todas as cores.
Sim, porque era uma vez
uma menina verde
um menino azul
um negrinho dourado
e um cachorro com todos os tons e entretons do arco-íris.
Até que,
devidamente nomeada pelo Senhor Prefeito,
veio ao seu encontro uma Comissão de Doutores
-todos eles de preto, todos eles de barbas, todos eles de óculos
E,
por mais que cheirassem e esfregassem os nossos quatro amigos,
viram que não adiantava nada
e puseram-se gravemente a discutir se aquilo poderia ser mesmo de nascença ou...
- Mas nós não nascemos - interrompeu o cachorro - nós fomos

inventados! "

E Quintana conclui:

"A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer."

A grande CECÍLIA MEIRELES também mente:
"Não acredite em tudo
que disser a minha boca
sempre que te fale ou cante.

Quando não parece, é muito,
quando é muito, é muito pouco,
e depois, nunca é bastante..."

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, fazendo ressalvas à Iuca, que prometeu florir novamente em janeiro ( e floriu!), ressalta o universo mentiroso daqueles que prometem e não cumprem, não esquecendo de incluir a si mesmo em tal universo:

"Muitas promessas não foram cumpridas nos últimos doze meses
.
Eu mesmo, ativo cobrador de promessas,
terei prometido e faltado,
no mínimo sete vezes por semana
e, o que é pior,
ostentando indefectível cara-de-pau.
Homens enganaram homens e mulheres
com voz de flauta doce:
'Vou fazer isso, vou fazer aquilo,
vocês têm de confiar neste compatriota...'
Fez? Pois sim, seu Serafim! "

Mas ninguém mentiu tanto quanto FLORBELA ESPANCA, mesmo quando pensava falar a verdade:
"Chuva...tenho tristeza! Mas por quê?!
Vento...tenho saudade! Mas de quê?!
Ó neve que destino triste o nosso!

Ó chuva !Ó vento! Ó neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta amargura
Digam isto que sinto que eu não posso!!..."

De sonhos e expectativas construiu castelos inimagináveis... e transbordou na verdade de uma insaciável fome de Absoluto. Reconheceu em si, e nos outros, a impossibilidade do amor eterno :
"Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!"

E, no entanto, ela mesma morreu de amor...Amor não correspondido.

VINÍCIUS DE MORAES teve a desfaçatez de cantar aos quatro ventos ( e levar a vida inteira provando o contrário!):
" Eu sei que vou te amar
por toda a minha vida eu vou te amar!..."

O poeta precisa mentir para que o mais profundo de si seja revelado!

Se "eles" tão gente fina
mentem tão tranquilamente
Por que eu, que não sou nada,
devo ter remorso ou pena
de sonhar sonho acordada?

Minhas palavras não são uma burka a esconder o que sinto.
São aquele sutilíssimo véu transparente com o qual as odaliscas pretendem proteger seu pudor...
(Mentira ou Verdade?)








sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

ANO NOVO



Fim de Ano!

Acho pouco simpática essa obrigatoriedade de voltar-se sobre si mesmo e sua própria trajetória para definir-se e definir rumos para um suposto "novo caminho" que se abriria com o novo ano .

Enxergo melhor uma continuidade exigente de cotidiano enfoque, para que não se percam (ou se percam!) oportunidades surgidas a cada dia.

Pensar diferente disso é miopia.

Entretanto...vejam só!...de repente, me surpreendo me auto-analisando...
É verdade!...Sou movida a paixões...de todo tipo.

Ao trabalho sempre me dediquei com total interesse, motivada por um prazer e um entusiasmo que só teria uma palavra como definição: Paixão.

Depois de adulta, com as filhas já beirando a adolescência, envolvi-me com a Filosofia, de tal maneira e com tal entusiasmo, que a nossa turma ( marcada pelo mesmo ânimo) era chamada de " os fanáticos frenéticos". Pura Paixão !

Também o desvelamento dos mistérios transcendentes me lançaram em busca de maiores esclarecimentos num Instituto de Teologia, no qual os meus colegas alcançaram a batina , ou seja, foram ordenados padres...e eu, professora do mesmo Instituto. O nome disso: Paixão !


Um simples violão bem tocado e uma voz agradável me direcionaram para um casamento...defino esse passo como: Paixão ...pela Música!...


As Artes me chamaram a conquistar um diploma de artista-plástica. Foi um convite amoroso que atendi com Paixão !


De manhãzinha levanto para cuidar do que resta do nosso Jardim...gesto de Paixão, com muito gosto!


Vejo que cada passo da minha caminhada exige Paixão.


"Ser feliz é viver morto de paixão"
Vinicius de Morais in "As cores de Abril"

Só assim posso cantar a Vida.
Sou uma apaixonada por natureza.Não sendo assim, estiolo, enfraqueço...e morro!
Morro sim, vendo momentos passarem sem merecer o meu riso, o meu encanto, o meu canto!( Pode ser um canto triste...mas cantado com Paixão )

Olha quanta beleza
Tudo é pura visão
E a Natureza transforma a vida em canção
Sou eu o poeta quem diz:
"Vai e canta, meu irmão:
Ser feliz é viver morto de paixão!"

Que venha o Ano Novo!



domingo, 29 de novembro de 2009

FALAR... OU CALAR...

Não sei se os meus queridos leitores já transitaram por Budapest, o livro.
Não o li, mas vi, em DVD, o próprio Chico lendo as primeiras páginas da sua história.
Fiquei intrigada com o personagem que escrevia seu romance na pele das mulheres que se envolveram com ele. Insólita idéia! Mas...refletindo melhor, onde são escritas as palavras a não ser no corpo, e sobretudo na alma, de quem as lê?

E a Palavra tem uma força estupenda!
Que tal uma experiência?

Você que me lê, agora, escreva em um dos seus braços a palavra VENENO... e no outro a palavra BÁLSAMO... e esperemos o resultado.

Seria delírio esperar da pele reações diferentes? Não creio!
Caso a pele não se expresse de maneira perceptível, provavelmente a alma o fará.

Teste novamente: de um lado a palavra BEIJO, do outro a palavra DESPREZO...
O resultado será devastador!

Daí, imagino que, ser prudente no uso das palavras é sinal de Sabedoria.

Lao Tsé continua atualíssimo:
É preciso ser " atento como o homem que cruza o rio em pleno degelo, depois do inverno".
Ou " prudente como quem temesse o seu vizinho".

Tenho me dedicado, nesses dias, a "pensar" as palavras, e por isto reservo-me de escrevê-las.
A Palavra carrega em si o peso ou a leveza do seu mistério.
Quase repetindo J. Velloso, que disse: "Um beijo vale pelo que contém" , eu digo:
Uma palavra vale pelo que contém.

Palavra-adaga: golpeia, mutila...até mata!
Palavra-água: sacia, conforta, salva...ou afoga?
Palavra-unguento: bálsamo, alivia, acalma...ou vicia!
Palavra-guia: informa, aponta, orienta...ou desvia?
Palavra-algema: submete, imobiliza...acorrenta!
Palavra-guizo: alegra, festeja, liberta...ou avisa?
Palavra-garra: caça, fisga, persegue, prende...Sufoca.
Palavra-gozo: inebria, embriaga, fascina, domina
...e toma posse!

Talvez, mais expressivo que a palavra seja o SILÊNCIO.
Permitam-me passear no silêncio, como diria Paulinho da Viola :

Silêncio, por favor,
enquanto esqueço um pouco a dor no peito,
não diga nada sobre os meus defeitos,
eu não me lembro mais quem me deixou assim...

Hoje eu quero, apenas,
uma pausa de mil compassos...
.....................................................
Quem sabe de tudo não fale,
quem não sabe nada se cale !
Se for preciso eu repito:
Hoje eu quero apenas, uma pausa de mil compassos...

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Mª Bethânia x J. Velloso

Pois muito bem...
A pedido, lançarei aqui as impressões sobre uma noite deveras especial:
O show de Maria Bethânia, ao qual tive o imenso prazer de assistir, embora, participar mesmo, ficou um pouco difícil: ficamos na fileira Z10, ou seja, penúltima fila do enooooorme Teatro Castro Alves. Se me foi dado o direito de enxergar algo, devo-o ao binóculo que me foi emprestado por alguém que conseguiu melhor localização.

Mas, valeu, e muito!
Maria Bethânia em fase intimista, modulando voz de travesseiro, nos faz acreditar que, aquilo que ela canta, sai da nossa própria alma.
Poucos músicos, nenhum excesso, nem no cenário,nem no figurino...apenas a confiança na própria interpretação, no excelente repertório, nos arranjos do seu confidente musical, o maestro Jaime Alem. Tudo perfeito.

As músicas, muitas, dos seus dois CDs recém lançados: TUA e ENCANTERIA.
Mas não s
ó... Cantou também aquelas que fazem parte da sua própria história de moça interiorana, certamente ( e ela sempre o registra) aprendidas com Canô, a inigualável!
Há o momento em que a musa distinque a própria Mãe como a responsável pelo nome creditado ao show: Amor...Festa...Devoção...Teria sido,e continua sendo, esta a orientação que Canô passa para os filhos como método de viver bem a Vida.
Gostei e concordo...contanto que a devoção tenha larga significação, não implicando nem em discriminações, nem em preconceitos...

Após o show nos arriscamos a ir até o camarim. Aqui , dizem, é fácil...ela sempre atende os mais corajosos que se arvoram em se aproximar da estrela.

Mas, após longa espera, uma boa turma foi desiludida. Motivo: Canô lá estava e ia jantar...o que demandaria largo tempo. Se alguém quis insistir, não sabemos...Nós desistimos. Uma pena! Pela primeira vez eu teria feito uma tietagem deste quilate.

Não há o que reclamar. Conheci e bati um bom papo com J. Velloso, um compositor que faz parte da família privilegiada pelas musas do Olimpo. Já conhecia as suas composições e tinha muita curiosidade em conhecê-lo...Consegui, e adorei!
Também falei , pouco, mas foi legal, com o Jaime Alem. Em resumo, tietei!...

Fotos?! Aí a coisa pegou! Quis bater uma de Canô e só consegui registar uma pernas desconhecidas: A Senhorinha é muito baixinha, e envolvida por uma quase multidão,
resultou em um fracasso fotográfico (Anabel,preciso de aulas!!!).

Rejane salvou a noite: bateu foto da Matriarca e de J. Velloso comigo...e só!

Um destaque: a preferência pelos compositores baianos:
Dori Caymmi, Saul Barbosa, Jorge Portugal, Capinam, J. Velloso e outros maravilhosos, todos constantes no seus novos CDs. Vale adquirir, sem medo de errar!

Eu adoro esse pessoal que nos aponta o lado mais gratificante da vida, mesmo que nem sempre seja o lado mais colorido! O meu segundo livro lhes concede o crédito dos meus momentos mais felizes.
Aos meus companheiros de viagem, letristas, músicos, intérpretes, astros desse meu Brasil carente de glórias, POETAS, SERESTEIROS, o meu eterno agradecimento!

Sem sair do assunto nem do sentimento que vivo agora, devo colocar, também a pedido, uma poesia que faz parte do livro " A longa viagem..."

Receita para fazer poemas

Para criar poemas é preciso
se perder em pensamentos.
Não ter medo de estar só.
Não esquecer nunca
de quedar-se triste...ou radiante.

Ouvir Vinícius é fundamental
(na voz de Bethânia, o ideal).
Banhar-se em Chico, aos borbotões
e ler Fernando até dormir.

Pronto.
Aí o berço em que a criança vai nascer.
E a alma brasileira vem
na madrugada se contar
- é o momento das musas em ação.

Claro, há receitas mais sofisticadas.
Mas esta é bastante
para deixar a alma enluarada.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

ODE AO CAOS

É preciso estar sempre agradecida
e, no momento, ao Caos,
me dobro, enternecida.

Não aquele caos dos infernos,
desagregador, dispersor,
tirânico, assassino,
causador de impiedosas implosões.
Mas aquele caos divino
de onde surgiu a vida.

O caos das milhares de palavras
aprendidas desde a infância,
palavras que, arrumadas,
dizem alguma coisa...ou tanto!
...cofre onde posso recolher,
em confiança, a expressão,
às vezes tosca, do que preciso dizer.

O caos dos ritmos desencontrados
da existência...
O caos profundo e transcendental
de sentimentos ainda não revelados.
O caos de histórias superpostas,
de amigos acumulados
na mágica des-ordem do tempo.
Na fúria desconcertante
de dores inexplicadas, o caos doído.

O caos de cores alucinadas,
no redemoinho dos ventos,
arco-íris em surpreendente movimento...
O caos de glórias misturadas
aos tormentos.
O caos da vida comum
repleta de inesperados.

O caos inacreditável
do esterco que renasce
em suave perfume e cores.
O divino caos do orgasmo,
gerando a homeostase.
O caos da melancolia,
mãe de serena poesia.
No monturo, o caos é pai
de abóboras e melancias.

O caos de Hesíodo,
espaço vazio entre o céu e a terra.
A força cósmica, onde,
por primeiro, Deus se revelou.
Lá se forjou o panteão
de tantos deuses secundários
que, ainda hoje, satisfazem
as ânsias da humanidade.

O caos
que o fanatismo da Ciência,
adepta da ordem e da repetição,
baniu, alijou e, por pouco, não matou.
Guardado no inconsciente
o caos se aprimorou...
E em Arte ele se tornou.

O caos intuitivo,
feminino, criador...
Útero do magnífico,
transcende a compreensão.
Olhares para a razão,
só pelo retrovisor.
O caos , as fronteiras desconhece.

No oceano do caos, sonolento,
o ato criativo espreita a sua hora...
e explode quando menos se espera.
É lá que a imaginação
ininterruptamente trabalha
...e nunca falha.

No caos, os lagos serenos
transbordam em cataratas
gerando energia, luz,
trazendo esperança, força,
criando revoluções,
reorientando a História.

E daí?

Ao mundo desencontrado
o caos não propõe a ordem,
nem o controle opressivo,
pior, a dominação...

O caos propõe a anarquia

do respeito às diferenças...
às infinitas possibilidades...
Propõe criatividade,
Propõe a compreensão,
Propõe a múltipla escolha,
Propõe a divina alquimia
da interpenetração.
União de céu mais terra...
Soma de contradições.
E ver a alma do mundo
deslizar na inspiração,
processando a ascenção,
cavalgando a transição.


Se, em algum momento, a tua vida te parece um caos...Calma! É que, apenas, estás vivo!

No fervilhar dos acontecimentos há um algo maior em gestação..."Nada se assemelha tanto a uma destruição quanto uma construção." já dizia o poeta e filósofo Michael Quoist.

Nenhuma grande conquista se faz sem dispensar um, também grande, esforço.

É preciso paciência... Viver é muito perigoso ( J.G. Rosa)

Uma lição que venho aprendendo :

Em tempo de espera

Se bates à porta
da pergunta sem resposta...
Se buscas o como?
o por quê?
o quando?
o onde?
o para quê?
e não encontras
o que esperas conhecer...Calma!
Não invadas o desesperar.

Espera!
Estás vivendo
um momento precioso em que
a inteligência
a mente
a alma
ou o sentimento
se debruça sobre a fonte do saber
e, com cuidado, deseja
saciar a própria sede.

Ensina Rilke:

Ama o tempo da pergunta!
Ama a pergunta!
Ama aquilo que em ti,
penosamente, quer se desvencilhar...

Ama a tua ansiedade
de enxergar além,
de ver mais longe,
de dar à criança que há em ti
a chance de desvendar
aquilo que a impede de crescer.

E, assim, estarás preparado,
certamente,
para o glorioso momento da resposta.


segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Poetas… e eu

Já comentei, sem medo de errar:
Talvez, hoje, o que mais me agrada é estar em contato com poetas...esclareço que a maioria deles já retornou ao Olimpo.

Haverá,
ainda,
no mundo,
coisas tão simples
e tão puras
como a água bebida
na concha das mãos?

Mário Quintana

Suponho que sim ...Aquele que não se condena por beber de maneira tão infantil, tão ingênua, tão simples e tão primitiva.

Moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia
Vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia.

Paulo Leminsky

Em noites de boemia
é fácil criar poesia...
Sobram-me as noites...
Falta-me a boemia.

Dinah

Nunca cometo o mesmo erro
duas vezes.
Já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez.

Paulo Leminsky

Um erro cometido
2, 3, 4, 5...mil vezes,
talvez não seja um erro.
Talvez seja um acerto
em um baile de máscaras.

Dinah


Eu grito daqui
Você grita daí
Quem berrar mais alto
é que tem razão

O Rebelde


Não exijo ter razão
Destarte, não grito.
Prefiro falar baixinho
vestindo-me, ou não, de razão.

Dinah

Quero muito que venha o dia em que TODOS falem em ritmo de poesia...

Calmamente, espero... Sou teimosa! Vem comigo!

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A longa viagem ao ponto de partida – Eu fui!

Não me entendam mal. Ainda não morri. E nem terminei minha longa viagem ao ponto de partida. Mas fui, sim, ao lançamento do livro de Dinah. Antes que alguém aí pense que entrou na sala da casa errada, vou avisando: Sou eu (Bel) que estou escrevendo. Levemente atrasada (quase uma semana), mas foi um atraso forçado pelas circunstâncias. Estou em Salvador, sendo enfermeira-babá de minha mãe, que passou por uma cirurgia, e – sofrimento maior – sem internet. Somente agora que Santa Dinah trouxe o tim web e me emprestou, posso, entre outras coisas, mostrar a vocês um pouquinho do que foi a noite de 21 de outubro, quando aconteceu o lançamento do livro “A longa viagem ao ponto de partida”.

Dinah 2o livro 21-10-09 024

I. O ambiente

Sob as árvores no pátio da Piedade, lugar que certamente trouxe muuuuuitas recordações a todos que ali estavam: como alunos ou professores e funcionários, não há dúvida, a Piedade marcou. E a brisa do final de tarde - uma tarde quente em toda a cidade… a brisa trouxe calma e paz.

Dinah 2o livro 21-10-09 005

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Dinah 2o livro 21-10-09 025

II. O buffet

Deliciosamente arrumado, e deliciosamene delicioso. Deu pra entender?

Dinah 2o livro 21-10-09 004 

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Dinah 2o livro 21-10-09 070

  Dinah 2o livro 21-10-09 074

III. Os amigos presentes

Eu aprendi com a experiência de vida que não devemos nos queixar pelos que não atenderam a um convite nosso, e sim, celebrar os que conosco estiveram. Pois ali estavam pessoas queridas, familiares e amigos, e quem não foi… perdeu!

 Dinah 2o livro 21-10-09 012

Dinah 2o livro 21-10-09 037

Dinah 2o livro 21-10-09 076

Dinah 2o livro 21-10-09 019

Dinah 2o livro 21-10-09 080Dinah 2o livro 21-10-09 045   Dinah 2o livro 21-10-09 021Dinah 2o livro 21-10-09 031

IV. A Música

Fatal: Não me lembro o nome dos músicos! (Só comigo acontece isso???) Mas a qualidade é impossível esquecer! MPB lindamente tocada e cantada, poderia durar até o amanhecer…Dinah 2o livro 21-10-09 033V. A Fala da dona da noite

Dinah não queria formalidades. E assim foi. Um tempo de celebrar, ainda que tariamente, o nascimento de um filho. Sim, porque livros são filhos, poemas são filhos. E quando se dá à luz  é preciso gritar para que os outros percebam o quanto é intenso esse momento. E Dinah leu para nós sua poesia que fala desse rasgo interno que é parir a poesia.

Desespero

Parem essa loucura toda!
Calar a voz do poeta… Sacrilégio!
Profanação pior que arrancar-lhe a pele
e o coração.

Dinah 2o livro 21-10-09 040
Poema é grito de sobrevivência!
Dói-me.
Dói-me a mente…
Dói-me desesperadamente pensar,
imaginar, que “a poesia, em breve,
será lingua morta, que
pouquíssimos falam e ninguém ouve”.
Que restará de humano ao mundo
se o poeta abdicar do ofício?
Mesmo que o amor, desolado,
tenha abandonado a terra,
o fingido amor do poeta
é brado de resistência,
prova consistente, sólida, evidente
de que, um dia, houve gente!

O livro foi dedicado aos seus ex-alunos e aos seus professores. Representando as duas “categorias”, Marcelo e Dorana  (e eu também, né?)…

Dinah 2o livro 21-10-09 048… e Helena dos Anjos

Dinah 2o livro 21-10-09 046 

“Minha poesia é natural e simples como a água bebida na concha da mão”

Mário Quintana

 

VI. As outras falas

Como não poderia deixar de acontecer, apesar de não planejado, outras vozes se fizeram ouvir, no mesmo tom de informalidade. Minha boca, que não consegue ficar fechada, tinha que dar o ar da graça, além de Baísa e Helena dos Anjos.

Dinah 2o livro 21-10-09 059 Dinah 2o livro 21-10-09 053Dinah 2o livro 21-10-09 068E foi assim o nosso  Happy Hour. Valeu demais! E mais do que o momento, valeu o significado dele.

Dinah 2o livro 21-10-09 026

domingo, 18 de outubro de 2009

Convite

 

Convite Dinah

Tantos foram os anos dedicados à Educação e agora, no momento precioso da reflexão e das reminiscências, dedico este meu trabalho àqueles que foram parte indispensável do processo: meus alunos e alunas, a quem não considero ex, uma vez que os trago em minha lembrança e em meu coração.

E não poderia esquecer a segunda metade que compõe e coroa aquele tempo: os meus mestres, representados pelo Prof. Osvaldo Ramos (in memorian), uma glória do nosso acervo cultural.

A eles e a todos que me envolvem com sua atenção, o meu sincero agradecimento pelo apoio que me venham a oferecer.

Espero-os dia 21 de outubro, a partir das 18h, no Instituto N. Sra. da Piedade (Ilhéus).

Dinah Hoisel

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Cacos e Mosaicos

Queixa da garrafa

Cruel corrente marinha,
Retirou da minha rota
a ilha, até então a mais fiel.





A noite esqueceu até
de ir encontrar o dia..
Ficou esperando, fiel, a poesia.
















Misteriosa paisagem
Se perto dela estou
dentro dela
sou.
Se longe dela me encontro,
ela está dentro de mim.




















Dá-me grande pesar
o pesar científico
- ele se pretende unívoco!



Sofrer,
já sofri o suficiente
Agora,
prefiro viver contente.
















Por mais que eu refletisse
Por mais fundo que eu fosse (descobri)
Nada sei do vasto mundo

Nada sei do vasto mundo
A mim me basta o espanto
do mundo que existe em mim.



Viver,
Desafiar limites

Recriar instantes,
Destilar a dor,
Amar o amor.

sábado, 19 de setembro de 2009

João e Maria




Um verdadeiro furacão passou pelo jardim onde supostamente, e num rasgo de fantasia, costumo encontrar meus leitores ao espalhar meus versos.
Tudo se acabou, as flores e plantas desistiram de lutar contra
uma construção que as contornava.

Atualmente tento a reconstrução.

E convidei João e Maria a fazerem parte do contexto...e aí eles estão.E, para eles, escrevi um recadinho de boas vindas.

JOÃO E MARIA

Eu os resgatei do destino cruel
que os espreitava.
Já não precisam temer...

A brisa e o sol os revestem.
Sem grades, sem escuros,
Veem somente as sombras
desenhadas pelo sol, nas folhas,
ao variar das horas.

O perfume das flores
dá colorido ao ar que respiram
...e os alimenta.
"Hoje eles vivem na minha aldeia comigo..."
Crianças de riso fácil,
gostam de apreciar o céu
que muda de cor do raiar ao raiar do dia seguinte.

Entre os seixos rolados, alvíssimos,
eles brincam com a chuva e o vento
...e sonham...

Sonham que assim será
para todas as crianças, um dia...
Sem abandono
Sem bruxas famintas
Sem caminhos perdidos
Sem a crueldade adulta.


E neste cantinho do jardim, ainda em transformação, quero encontrar o João, a Maria e você...
Talvez livres do sufoco que envolve a nossa realidade, às vezes tão desencantada.


sexta-feira, 11 de setembro de 2009

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Momento da Criação

Ah, a importância de renovar, de renovar-se , de construir ou apenas reconstruir!
É sentir a vida pulsar e vê-la fluir ao encontro de um futuro melhor.

Podem não acreditar...em apenas UM dia aconteceu a ressurreição. O meu jardim reviveu! ( Depois de ser violentamente atingido por uma construção à sua volta).

O dia começou cedo - uma visita aos hortos para pegar o adubo e a grama. Mas,
eu não seria Eu, se saísse de lá somente com isso.
Meu olhar percorria a variedade de cores e formas...e entrava em êxtase.
O amigo-jardineiro que me acompanhava sorria e me incentivava concordando com os meus desejos. Mas, às vezes, se assustava: " Você tem certeza de que isto está dentro do seu orçamento?" Mais ou menos...estava disposta a me arriscar um pouco.

Ao meio-dia conseguimos encher o Celta até o telhado ( só de grama eram dez metros...quarenta placas! ) e voltamos para casa. Aí, um trabalho de titãs nos esperava. Nos descabelamos (ele menos, pois é carequinha) até às sete horas da noite.
Arrancar o que precisava sair...Revolver a terra...Alimentá-la com torta de mamona e adubo orgânico e ir, aos poucos, definindo o local das novas plantas. E o cuidado regenerador com as plantinhas que já ali se encontravam e que precisavam ressurgir em sua plenitude.
Meu Deus! Que imenso prazer, que entusiasmo, que delícia é possível sentir nessa tarefa de reconstruir, restaurar o que tinha perdido o brilho.
À noite, estava exausta... Tive de lavar folha por folha de algumas plantas que estavam cobertas de poeira de cimento ou tinta... e o verde reaparecia, maravilhoso.

O pequeno terreno foi recortado em dois níveis. O mais baixo só para a grama, que deveria se tornar um tapete. O nível mais alto seria o palco de exposição das "pedras preciosas" da botânica. Flores e folhas de formato e cores os mais diversos...

Sei que precisamos atender ao período de adaptação do novo. Algumas plantas sentirão a mudança. Os antúrios, escolhidos com tanto carinho, nem resistiram à "viagem" da origem (horto) até o novo endereço...As belíssimas flores murcharam...o dia estava muito quente.
Não faz mal. A terra renovada está ansiosa para mostrar seu talento gerador de riquezas. Eu espero. Já aprendi a acompanhar a paciência da natureza. "Seu Paciência", o jardineiro, já me orientou nesse caminho. Eu era muito impaciente. Tinha dificuldade de esperar.

Tudo que aqui relatei se refere a apenas um terço do espaço a ser restaurado. Ainda falta muito... justamente a parte coletiva, que é de uso dos moradores do prédio. Mas chegaremos lá!

Novamente ponho-me a ouvir Rubem Alves, um companheiro de reflexão sobre as coisas simples do cotidiano.

Sonho com um jardim. Todos sonham com um jardim. Em cada corpo, um Paraíso que espera...Nada me horroriza mais que os filmes de ficção científica onde a vida acontece em meio aos metais, à eletrônica, nas naves espaciais que navegam pelos espaços siderais vazios... E fico a me perguntar sobre a perturbação que levou aqueles homens a abandonar as florestas, as fontes, os campos, as praias, as montanhas...Com certeza um demônio qualquer fez com que se esquecessem dos sonhos fundamentais da humanidade. Com certeza seu mundo interior ficou também metálico, eletrônico, sideral e vazio... E com isto, a esperança do Paraíso se perdeu.
Pois, como disse o místico medieval Angelus Silésius:

Se, no teu centro
um Paraíso não podes encontrar,
não existe chance alguma de, algum dia,
nele entrar.

Este pequeno poema de Cecília Meireles me encanta, é o resumo de uma cosmologia, uma teologia condensada, a revelação do nosso lugar e do nosso destino:

No mistério do Sem-Fim,
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro:
no canteiro, uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o Sem-fim,
a asa de uma borboleta.

Metáfora: somos a borboleta. Nosso mundo, destino, um jardim.

Ele conseguiu realizar o seu sonho. E eu também. Agora, aqui , rebrilha a minha joia, à espera dos pássaros, das borboletas, dos besouros...

"O universo tem, para além de todas as misérias, um destino de felicidade. O homem deve reencontrar o Paraíso." (Bachelard)

Quando eu ainda alimentava o sonho de morar na terra que herdei, terra árida, onde só medrava a piaçaveira, palmeira da qual se tira a piaçava, ou piaçaba, aquela fibra de fazer vassouras, eu descrevi um ideal :

Momento
da Criação

Tivesse eu, agora, a chance de escolha,
sei bem o que me faria feliz:
Um pedacinho de chão ,
que nem verde precisava ser,
pois verde eu o faria em pouco tempo.

Bastava ter comigo um deus.
Um deus que exerceria
a primeira profissão que este mundo conheceu.

Um cuidadoso jardineiro,
bem grande e forte,
para vencer as pragas
e os riscos que correm as plantas.

Grande e forte, mas cheio de atenção
e de ternura ao tocar as flores.
E, em torno de nós dois,
iria se estendendo o Jardim do Paraíso.

Vencendo dores, tristeza, solidão,
o tapete de cores
iria encantando a natureza,
fazendo cantar a vida.

As pessoas, avisando umas às outras,
se aproximariam,
num misto de encantamento e magia,
e - percebendo o incrível acontecimento-
admirando tudo, agradeceriam.

...E, sorrindo voltariam aos seus lugares
para transformá-los , também, em Paraíso.




domingo, 30 de agosto de 2009

PRINCÍPIO da MUDANÇA

Talvez o que escrevo agora tenha pouca coerência. Não me importo... Vou seguir o meu pensamento. Em nenhuma direção a que dirijo o meu olhar, encontro coerência, logo...
Primeiro quero agradecer à minha geração por ter cantado " o amor, o sorriso e a flor..." Em tempo de aridez descontrolada é muito bom saber que isso já foi possível. Lá " a tristeza da gente era mais bela...Era como se o amor doesse em paz...nem [se] sabia a que ponto a cidade [ o país... o mundo...] turvaria esse rio de amor que se perdeu..."


No momento em que vivemos, uma coisa é certeza, é exigência, é urgência : a mudança!


Já vivi tempos de exaltação e fúria, quando escrevi:

Quero visões incendiárias.
Quero vislumbrar o que virá.
Serão as cinzas do presente
o embrião da fênix futura?
Escombros serão o germe, a semente?

Diante do eterno
a aventura está apenas começando.

Cegos,
não vimos o que deveríamos ter visto.
Os padrões nos escaparam,
neles se encontra o sentido da existência.
É preciso considerar urgente
sob nova luz, sob nova lente,
e dar o salto que não soubemos dar.

Não vês o novo sol surgindo?

A mola soltou-se com estrondo.
Há um vulcão em erupção.
Presente, no ar, a morte.
Nada ficará impune.
Desta vez é tudo ou nada.

Já não vale pisar
o chão que foi pisado.
Apenas vaga memória persiste.
É o adubo do novo que consiste
na nova realidade ainda envolta
pela película do sonho
prestes a se romper.

O pesadelo acabou?
Há uma criança a nascer?

E o meu olhar visionário pressentia um futuro promissor...

Quero mãos fortes agindo
arrancando a dor do mundo
Trilhar com os que não desistem
e não desertam da luta.
Estar entre os fortes que insistem.

Só eles suportam espinhos.
Nada os faz retroceder
São o sal, a pureza, o fogo,
irradiação poderosa
que se eleva em espirais,
rompendo os próprios limites,
se expandindo mais e mais...

(Anseios)


Pudesse eu
tomaria em meus braços
todo o sofrimento humano
e o acalentaria
como quem consola
um filho enfermo e pequenino.
E cantaria baixinho
até ver secar a última lágrima.
E tudo encontraria outro destino.
E agora poderia murmurar
no meu último poema:
- Vivi. Valeu a pena.

(Último Poema)

Em outros momentos, a lucidez e a humildade traziam-me de volta à realidade e...

Na justa dimensão


Um dia (que pretensão !)
Quis consolar o mundo
e aplacar a sua
dor
para só então sentir
que não vivi em vão.

Hoje vejo-me a pedir perdão
pela estúpida ambição
- Humildade ou lucidez
(como a canja de galinha)
a ninguém traz dissabor.

Basta, ensinou-me Emily,
suavizar somente uma dor.
Um gesto a evitar
que um coração se parta.
Levar um único passarinho
a retornar ao ninho
e terei encontrado
o caminho que faz o viver justificado.

O melhor é seguir o conselho de Toquinho e Vinícius (Carta ao Tom):

"É meu amigo, só resta uma certeza
É preciso acabar com essa tristeza
É preciso inventar de novo o amor."

De minha parte, tenho algo a fazer...
Uma construção em seu entorno, destruiu totalmente o nosso jardim.
É preciso que eu o reconstrua.
Já comecei...não desisto fácil!


quinta-feira, 20 de agosto de 2009

RUBEM ALVES...UM COMPANHEIRO...

Estamos próximos de completar um ano de conversas, e nesse tempo a fidelidade à POESIA é indiscutível.
Aqui não cabem discussões políticas, nem econômicas (Deus nos livre de comentar a Bolsa ou a crise mundial...que outros o façam...), nem tocamos em assuntos de moda ou atualidades sociológicas...Qualquer que seja o tema enfocado tem que estar enraizado na POESIA. Só na POESIA !
Mas...semana passada, fiz uma "reportagem"...e, nela, a POESIA entrou implícita...se encontrava no clima que envolveu o evento.

Hoje vou, de novo,afastar-me um pouco da minha companheira de viagem e repassar para vocês, uma CRÔNICA...Não minha, mas de Rubem Alves...um também companheiro de longas datas.
Seus livros têm sido, para mim, uma "pedra de toque", uma lanterna, uma música de fundo, um terreno firme.

Dedico a postagem de hoje, especialmente a Luísa...Ela acabou de ler "As Mil e uma Noites"...e, se não puder ser agora ( devido à idade), ela precisa ir fundo no seu significado, então guarde a mensagem para o momento propício . É aí que entra a lanterna de Rubem Alves. Com ele, a palavra.

AS MIL E UMA NOITES

Estou me entregando ao prazer ocioso de reler As mil e uma noites. O encantamento começa com o título que, nas palavras de Jorge Luis Borges, é um dos mais belos do mundo. Segundo ele, a sua beleza particular se deve ao fato de que a palavra mil é, para nós, quase sinônimo de infinito." Falar em mil noites é falar em infinitas noites. E dizer mil e uma noites é acrescentar uma além do infinito."

As mil e uma noites
são a história de um amor - um amor que não acaba nunca. Não existe ali lugar para os versos imortais do Vinícius (tão belos que o próprio Diabo citou em sua polêmica com o Criador): " Que não seja eterno, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure..." Estas são palavras de alguém que já sente o sopro do vento que dentro em pouco apagará a vela: declaração de amor que anuncia uma despedida.

Mas é isto que quem ama não aceita. Mesmo aqueles em quem a chama se apagou sonham em ouvir de alguém, um dia, as palavras que Heine escreveu para uma mulher: "Eu te amarei eternamente e ainda depois." É preciso que a chama não se apague nunca, mesmo que a vela vá se consumindo. A arte de amar é a arte de não deixar que a chama se apague.Não se deve deixar a luz dormir. É preciso se apressar em acordá-la (Bachelard). E, coisa curiosa: a mesma chama que o vento impetuoso apaga, volta a se acender pela carícia do sopro suave...

As mil e uma noites são uma história da luta entre o vento impetuoso e o sopro suave. Ela revela o segredo do amor que não se apaga nunca.

Um sultão, descobrindo-se traído pela esposa a quem amava perdidamente, toma uma decisão cruel. Não podia viver sem o amor de uma mulher. Mas também não podia suportar a possibilidade da traição. Resolve, então, que iria se casar com as moças mais belas dos seus domínios, mas depois da primeira noite de amor, mandaria decapitá-las. Assim o amor se renovaria a cada dia em todo seu vigor de fogo impetuoso, sem nenhum sopro de infidelidade que pudesse apagá-lo. Espalham-se logo, pelo reino, as notícias das coisas terríveis que aconteciam no palácio real: as jovens desapareciam logo depois da noite nupcial. Xerazade, filha do vizir, procura então o seu pai e lhe anuncia sua espantosa decisão:
desejava tornar-se esposa do sultão. O pai, desesperado, lhe revela o triste destino que a aguardava, pois ele mesmo era quem cuidava das execuções. Mas a jovem se mantém irredutível.

A forma como o texto descreve a jovem Xerazade é reveladora. Quase nada diz sobre sua beleza. Faz silêncio total sobre o seu virtuosismo erótico. Mas conta que ela lera livros de toda espécie, que havia memorizado grande quantidade de poemas, e narrativas, que decorara os provérbios populares e as sentenças dos filósofos.

E Xerazade se casa com o sultão. Realizados os atos do amor físico que acontecem nas noites de núpcias, quando o fogo do amor carnal já se esgotara no corpo do esposo, quando só restava esperar o raiar do dia para que a jovem fosse sacrificada, ela começa a falar. Conta histórias. Suas palavras penetram os ouvidos vaginais do sultão. Suavemente, como música. O ouvido é feminino, vazio que espera e acolhe, que se permite ser penetrado. A fala é masculina, algo que cresce e penetra nos vazios da alma. Segundo antiquissima tradição,
foi assim que o deus humano foi concebido: pelo sopro poético do Verbo divino penetrando os ouvidos encantados e acolhedores de uma Virgem.

O corpo é um lugar maravilhoso de delícias. Mas Xerazade sabia que todo amor construído sobre as delícias do corpo tem vida breve. A chama se apaga tão logo o corpo se tenha esvaziado do seu fogo. O seu triste destino é ser decapitado pela madrugada: não é eterno, posto que é chama. E então, quando as chamas dos corpos já se haviam apagado, Xerazade sopra suavemente. Fala. Erotiza os vazios adormecidos do sultão. Acorda o mundo mágico da fantasia. Cada estória contém uma outra, dentro de si, infinitamente. Não há orgasmo que ponha fim ao desejo. E ela lhe parece bela, como nenhuma outra.
Porque uma pessoa é bela, não pela beleza dela, mas pela beleza nossa que se reflete nela...

Conta a história que o sultão, encantado pelas estórias de Xerazade, foi adiando a execução, por mil e uma noites, eternamente e um dia mais.

Não se trata de uma estória de amor, entre outras. É, ao contrário, a estória do nascimento e da vida do amor. O amor vive neste sutil fio de conversação, balançando-se entre a boca e o ouvido. A Sônia Braga, ao final do documentário de celebração dos 60 anos do Tom Jobim, disse que o Tom era o homem que toda mulher gostaria de ter. E explicou: "Porque ele é masculino e feminino ao mesmo tempo..." O segredo do amor é a androgenia: somos todos homens e mulheres, masculinos e femininos ao mesmo tempo. É preciso saber ouvir. Acolher. Deixar que o outro entre dentro da gente. Ouvir em silêncio. Sem expulsá-lo por meio de argumentos e contra-razões. Nada mais fatal contra o amor que a resposta rápida. Alfange que decapita. Há pessoas mais velhas cujos ouvidos ainda são virginais: nunca foram penetrados. E é preciso saber falar. Há certas falas que são um estupro. Somente sabem falar os que sabem fazer silêncio e ouvir. E, sobretudo, os que se dedicam à difícil arte de adivinhar: adivinhar os mundos adormecidos que habitam os vazios do outro.

As mil e uma noites
são a história de cada um. Em cada um mora um sultão. Em cada um mora uma Xerazade. Aqueles que se dedicam à sutil e deliciosa arte de fazer amor com a boca e os ouvidos (estes órgãos sexuais que nunca vi mencionados nos tratados de educação sexual...) podem ter a esperança de que as madrugadas não terminarão com o vento que apaga a vela, mas com o sopro que a faz reacender-se.

...E nada mais precisa ser dito...