sexta-feira, 1 de maio de 2009

FLORBELA ESPANCA

Na minha caminhada recolhendo e replantando sementes de emoções e sentimentos vividos por outros poetas, quero chegar perto de Florbela Espanca.
Quem nunca ouviu falar nela, certamente já a cantou junto com Fagner:
" Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Ou com Elimar Santos:
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

(.......................................................)

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda gente.

José Régio (aquele do Cântigo Negro) assim nos apresenta o trabalho de Florbela:
" A sua poesia é dos nossos mais flagrantes exemplos de poesia viva. Quero dizer que toda ela nasce, vibra, e se alimenta do seu muito real caso humano;
do seu porventura demasiado real caso humano."

Sobre os sentimentos da poetisa, ele continua:
"Florbela viveu a fundo esses estados, quer de depressão, quer de exaltação,quer de concentração em si mesma, quer de dispersão em tudo, que, na sua poesia,
atingem tão vibrante expressão."

Morrendo aos 36 anos deixou registrado, sem medo, o seu dramático mundo interior... Sua feminilidade exacerbada. Sua fome de Infinito, de Absoluto, sentindo-se, entretanto, escravizada à sua identidade com o mundo que a envolve.

Seu tema favorito: o amor humano, que buscou desesperadamente, numa des-ilusão de sentir-se batendo sempre em portas fechadas.

Novamente com a palavra José Régio:
"Impossível lermos Florbela Espanca sem reconhecermos sua inquietação, uma sua insatisfação, que vão se manifestando como irremediáveis. Foi o que chamei de insaciabilidade.
A princípio, ou de longe em longe, através de toda a sua obra, decerto ainda alvorecem os sonhos e as expectativas, ou chispam as rubras horas de sensualidade feliz, ou resplandecem momentâneos oásis de orgulhosa plenitude.
Muito poderosos ( ou muito violentos ) são os instintos pagãos de Florbela.
Ainda bem que não temeu ela de os cantar em versos de admirável intensidade.
No fim e ao cabo, porém, todos esses ímpetos e satisfações não duram senão o instante que lhes coube."

Sempre através do soneto ela delira suas inquietações:

Vaidade
Sonho que sou a poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade !

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade !
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita !

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...E não sou nada !...

E sua autodefinição se estende:

EU

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada...a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte !
Alma de luto, sempre incompreendida !...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste, sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou !

Sem me conter, precisei colocar-me ao lado desta mulher que traz, em si,muitas angústias do universo feminino, e escrevi,para Florbela :

Ressurreição

Por que, criança (tão criança ainda)
mergulhas em poço
de profundo desalento?
Tudo em ti é tão viçoso,
tão bonito!...És linda!

Em que maldito espelho distorcido
projetas a tua imagem?
"Olhar de Campo Santo"?
"Magras mãos...Dedos envelhecidos..."?
"Vaga roubada ao Mar da Desventura"?

Estás louca, mulher (criança ainda)?
Não vês o mau presságio
na voz que, em ti , fala?
Não vês a atração da pérfida loucura?

Não esperes ver na morte
a porta da ventura...
Nem encontrar, no Outro,
o brilho da tua sorte...

Rompe as cadeias do porão escuro,
Abre tuas asas...Abre a janela e voa !
Ressuscita em ti a tua juventude
que nunca te abandonou
...e ouvirás a Primavera
que em ti ressoa !...

................................................................................................................

Este tema é grande demais para se encerrar aqui.
Voltaremos a ele...

Nenhum comentário: