terça-feira, 30 de junho de 2009

Fernando Pessoa , Mário Quintana... e eu.


Partilha entre quatro paredes

Dinah Hoisel


Amo demais
a companhia dos poetas
- talvez seja, hoje, o que mais prezo -
Fazemos mesa redonda
(ou seria uma ciranda?)
e eles me aceitam na roda.
Trocamos idéias lindas...
Eu os ouço comovida
Eles me ouvem também
( fico até envaidecida).

Rimos das mesmas coisas,
Mastigamos ironias
mas depois cuspimos fora,
não valem como alimento,
( valem só como instrumento
de vencer adversários).

Nos espantamos aos pares.
Em algum momento esquivo,
percebo em um ou outro,
uma lágrima furtiva
...se a minha própria lágrima
não me tornar impedida
de somar intimidades...

Vivemos um mundo estranho,
como um carro em contramão...
Não há fatos,
nem mesmo histórias reais.
É quase um mundo fantástico,
beirando o esquizofrênico
- é pura interpretação!

Ah, esqueci-me de dizer: são todos poetas mortos... Os vivos ignoram a minha existência...
Há poucos dias encontrei Fernando Pessoa num diálogo interessantíssimo com Mário Quintana... De pertinho, ouvi o que eles falavam...
Dizia Fernandinho:

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(
Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele.
Então acredito nele a toda hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque se ele se fez para eu o ver
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.


Aí o Mário Quintana retorquiu, tomando a palavra:

E eis que, ante a infinita Criação,
O próprio Deus parou, desconcertado e mudo!
Num sorriso, inventou o homo sapiens,então,
Para que lhe explicasse aquilo tudo...

...volta o Fernando retomando o seu tema...

E por isso eu obedeço-lhe
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?)
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
como quem abre os olhos e vê.

...e o grande Quintana intui o grande final:

E eis que, tendo Deus descansado no sétimo dia,
os poetas continuaram a obra da Criação.

*****************************************************

Dou a vocês o direito de não acreditar que eu ouvi esse diálogo...mas eu juro:
Ouvi, sim!




Nenhum comentário: