quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

OS ESTATUTOS DO HOMEM

Em 1964 Thiago de Mello anunciou Os Estatutos do Homem e ainda hoje tentamos, ou apenas esperamos, que eles sejam cumpridos.

Um ano novo aí está com novos desejos, novas esperanças, um novo impulso para criar o que de realmente humano venha a se sobrepor à selvageria que vemos acontecer à nossa volta.

Seria, o momento, uma boa oportunidade para que relembrássemos a lírica proposta do poeta?

Creio que sim.

Os Estatutos do Homem

Artigo I

Fica decretado que agora vale a verdade. Agora vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II

Fica decretado que todos os dias, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassois em todas as janelas, que os girassois terão direito a abrir-se dentro da sombra, e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV

Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino.

Artigo V

Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará ser servida antes da sobremesa.

Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII

Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII

Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama, e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX

Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X

Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida , uso de traje branco.

Artigo XI

Fica decretado por definição que o homem é animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII

Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com rinocerontes e caminhar pelas tardes com imensa begônia na lapela.

Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.

Artigo XIII

Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.



Artigo Final

Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir desta instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e sua morada será sempre o coração do homem.

Boas festas para todos e que o ano novo venha trazendo o NOVO que qualifica positivamente o ser humano.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Historias que ouvi contar

Nenhuma seleção de historinhas é mais interessante que a Mitologia , a grega sobretudo.Vejamos que a moderna Psicologia não dispensa seus contributos para entender melhor a alma e o comportamento humanos.

Tenho muito gosto em reler "Dafne e Apolo" e suas desventuras. Dafne foi o primeiro amor de Apolo. Outros vieram depois, e muitos. Como aconteceu?


Tendo Apolo vencido Píton , a enorme serpente, e vaidoso disto, sentia-se senhor e dono do valor das armas que usou: arco e flecha. Daí que, nada satisfeito ao ver um garoto brincando com tais armas, reagiu:

"-Que tens a fazer com tais armas mortíferas, menino insolente?" E passou um grande pito naquele que, sendo filho de Vênus, não receberia a repreensão sem reação à altura:

"-Tuas setas podem ferir todas as outras coisas, Apolo, mas as minhas podem ferir-te." E Cupido, pois era ele, o insolente, desferiu um golpe que marcou o deus com uma ferida incurável : a capacidade de amar, sem limite...
E mais, vingou-se ferindo, com seta de ponta feita com chumbo, uma belíssima garota, a ninfa Dafne pela qual Apolo se viu perdido de amores. Mas a seta malígna que feriu Dafne a tornou imune ao sentimento que devorava o coração do deus.

Muitas vezes o pai da ninfa esteve a implorar :"Filha, deves dar-me um genro, dar-me netos..."
Sob a influência da vingança do pequeno deus do Amor, a moça , temendo o casamento, implorava de volta:
"-Pai querido, concede-me esta graça! Faze com que eu não me case jamais!"
A contragosto o pai consentiu, mas prevendo um futuro nada promissor para a garota.
"-O teu próprio rosto é contrário a este voto."

Sem conhecimento do trágico vaticínio, Apolo amou-a e lutou para obtê-la... ele, oráculo de todo mundo, não foi capaz de prever o próprio infortúnio. Seguiu-a... ela fugiu a correr, mais rápida que o vento.
Ele suplicava: "-Para, filha de Peneu, não sou teu inimigo! Não fujas de mim como a ovelha foge do lobo!...É por amor que te persigo!...Sou o deus do canto e da lira. Minhas setas voam certeiras para o alvo. Mas, ah!, uma seta mais fatal que as minhas atravessou-me o coração e agora sofro de uma enfermidade que bálsamo algum pode curar!"

Quanto mais ela fugia mais encantado ele ficava...Assim voavam o deus e a virgem: ela com as asas do medo; ele com as asas do amor. Ele termina por alcançá-la. Ela em desespero invoca seu pai, o rio-deus:
"-Ajuda-me, Peneu! Abre a terra para envolver-me ou muda as minhas formas que me têm sido tão fatais!"
Algo extraordinário começou a acontecer mal ela acabou de proferir o seu apelo...(Extraordinário para os nossos conceitos atuais, mas não para uma época em que deuses manipulavam sem cerimônia tanto os sentimentos, os fatos, o tempo, a natureza e tudo que poderia ajudá-los em suas conquistas e vinganças!)...
Um torpor tomou conta do corpo de Dafne; uma leve casca passou a recobrir a sua pele, antes alva e macia; seus cabelos transformaram-se em folhas; seus braços, em galhos; seus pés fincaram-se no chão gerando raízes; seu rosto conservou, de antes, somente a beleza...agora uma viçosa planta, o loureiro, que nunca perde a graciosidade, nunca perde o verde!
Apolo abraçou-se aos galhos e tentou beijá-los...os galhos recuaram...

"-Já que não podes ser minha esposa, serás a minha planta preferida e com tuas folhas enfeitarei a minha lira e a minha aljava; e, quando os grandes conquistadores desfilarem à frente dos cortejos triunfais, serás usada como coroa para suas frontes! E tão eternamente jovem, como eu próprio, também hás de ser sempre verde e tuas folhas não envelhecerão".

Inúmeros poetas se serviram e beberam na fonte deste amor desventurado. Eu, poeta-menor, não me furto a me deixar influenciar por ele, também. Ligo-o a outra historia que ouvi contar...

Alguém que, como Carolina, da janela analisava suas circunstâncias. Ela, que um dia tinha vivido uma experiência dionisíaca, agora se encantava e se emocionava com o sofrimento do casal mitológico acima enfocado. Como toda Carolina, também esta via o tempo passar, sem perceber que pouco adianta os olhos fundos, guardando a dor de todo este mundo...isto não vai nada mudar...bem aconselhou o poeta. Lá fora as rosas continuam nascendo, mil versos são cantados só para agradar, muitos continuam sambando...Que falta para que Carolina acorde? Uma tola! Vai que morrem as rosas, a festa acaba, e aí ?

A mim, restou-me a inspiração sobre a suspiração desse povo emotivo ao extremo.

Semear...cuidar...colher
na seara de Dionísio
(para ela, opção alternativa)
desejo de sentir-se viva
Verdade dos sentidos
Mentira da mente

De resto...espera?
Esperança?
Desistência?
Ânsia?
Dormência.

Um dia (...uma noite?)
um vulto
Só um vulto
Primeiro...último...único:
Apolo perseguindo o ideal
(da janela ela observa a cena
testemunha a luta desigual)
Busca infecunda
Inútil corrida de atletas
-Ideal, somente sombra-
Dafne, apenas alcançada
desfaz-se em planta
a sedutora face.
Da janela ela vê a fuga da donzela

Apolo,
verdade da alma
Deus da música,
do canto, da lira, da cura...
nas mãos, folhas de louro
prêmio de vitória...Sem glória,
posto que satisfatória.

Ela, à distância,
acalma sua loucura...
desejo de ventura...
e chora.


Maiores esclarecimentos melhor consultar "O Livro de Ouro da Mitologia" de Thomas Bulfinch e claro, o grande Chico Buarque.

Ps. Brasileiro é tão debochado que utiliza o digno e honroso vegetal como condimento para temperar feijão! ( Minha nossa!)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A ANGÚSTIA


A ANGÚSTIA de D. DINAH

Que terrível acontecimento se fez REAL, na madrugada de hoje? Seja lá o que tenha sido deixou marcas talvez indeléveis.Marcas que, se feriram MAGO, também me feriram.

Mago amanheceu com o “rosto” todo destabocado…não são GRANDES ferimentos, mas são umas 5 ou 6 pequenas marcas onde o pelo foi arrancado e até o couro foi atingido.

Ele brigou!Com certeza ele brigou!!!Mas…com quem? Por quê?Oh!céus!Eu o obriguei a dormir no lado de fora e vejam no que deu!!!


Agora seu maravilhoso aspecto-perfeito está marcado talvez para sempre! Tenho que aceitar esta injustiça, pensando:deve ser o resultado de um rito de passagem…É uma pena, mas são coisas do CRESCIMENTO!Tenho que me conformar.

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“Que terrível acontecimento se fez REAL, na madrugada de hoje?”
Nonada: coisa comum corriqueira.
É preciso passar adiante a herança genética; gerar descendência; crescer e multiplicar. Aprender a arte marcial do gatofu e botar pra correr os rivais.
Model é mestre consumado. Nem me preocupo.
Bálsamo Pierson pr’as bicheiras eventuais, e vida que segue felinianamente…

Jucemir

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SOCOOOOORROOO!!!!!!!!!!!!!MAGO SUMIU!!!!!!!!ACHO QUE FOI TIRAR A FORRA , destruir O MALDITO QUE DESFIGUROU O SEU “ROSTO”!!!!!




Que vai acontecer desta vez? Enquanto eu conversava com Anabel, ao telefone, ele saiu de mansinho…e se picou no mundo!!!!!
Oh! Céus!!Oh! dor!!! Oh! Vida!!!Que posso fazer para impedir que esta maldita HERANÇA GENÉTICA venha destruí-lo???

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Ele reapareceu…do nada! Da mesma forma em que sumiu…De repente ele se enroscava nos meus pés sem que eu percebesse de onde veio…É algo fantástico e fantasmagórico!

Como era de se esperar, novos ferimentos, agora, na conjunção das articulações dos membros anteriores, nas costas, naquela simpática “corcundinha” que se move lentamente a cada movimento…(um amor!)…agora, ferida também!Imagino algum imbecil querendo atingir seu pescoço querendo matá-lo! Como vou poder suportar tais agressões?

A pergunta que não quer calar:


Será que, na avaliação “custo-benefício”, vale a pena tais aventuras????


Chegou morto de fome, macambúzio,cansado,abatido…Teria ganho o embate? Ou está apenas apanhando?

Agora assisto o repouso do guerreiro,ali, no meu sofá, como quem retorna ao ventre materno de onde retirará novas forças para ir gastá-las em embates (infrutíferos?), quando a noite chegar…


Haja coração!!!


Senhor Deus , dai-me forças…e a ele também!

Estas são as agruras de quem adotou, sem pedir nem desejar, o mais belo espécime de GATO SIAMÊS que se possa imaginar! Amar doi…é verdade comprovada, através dos tempos!


sexta-feira, 12 de novembro de 2010

IMAGEM DESOLADA

Vejam só, meus amigos, quanta tolice pode sair da  imaginação de um(a) poeta, a partir de um mínimo episódio do cotidiano.


Insignificante descuido de uma dona-de-casa distraída (ou atenta?) é capaz de dar origem a um canto triste (de tristeza real ou fictícia, isto importa pouco) – o que importa é poder cantar…


Imagem desolada

A um canto da geladeira
algo ia perdendo o viço a cada dia
Mais pálido
Mais murcho
Mais sem lustro
Mais sem vida
…e não era uma pera!
Não queria ser visto,
atrás de outros objetos se escondia,
Sem seiva
Sem suco,
Sem sangue,
Sem poesia,
pensava-se esquecido
…não era uma pera!
Da pera, um pouco da forma, absorvia
…mas não era a pera.
Por falta de uso
Por falta de alimento
Por falta de sustento
Por falta de atenção, ele morria
…era o meu coração…



O que causa admiração é o atestado de validade que lhe confere o proeminente e respeitado pensador/escritor francês, Roland Barthes, que se debruçou sobre o perfil estrutural do discurso amoroso, identificando todo o processo através do qual o amante, o ser apaixonado, se expressa.


Afirma Barthes: “Seu [do apaixonado] discurso existe, unicamente por ondas de linguagem que lhe vem ao sabor de circunstâncias ínfimas , aleatórias.”


Dentre os “cacos” do discurso amoroso analisados por ele, um é especialmente encastoado na poesia acima (Imagem Desolada):


“Na ausência amorosa sou, tristemente, uma imagem descolada que seca, amarelece, encarquilha-se.”


De onde se pode concluir que, uma pera murcha, esquecida na geladeira, pode ser, sim, uma metáfora de um coração em agonia motivada pelo abandono.


P.S. Melhor para vocês, apaixonados, é ler “Fragmentos de um discurso amoroso” do acima citado autor.


Ficarão surpresos por se verem desnudados, sem dó nem pena!


Eu, particularmente, me “divirto” muito, lendo-o. 


Outro livro que recomendo, pertinente ao assunto: “A ética de uma paixão” de Mª Luiza Nora, recém lançado pela Editus.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Pingos de auto-ajuda


Do que a vida tem me ensinado numa caminhada que parece longa, mas que percebo agora: foi rápida! Muito rápida!

É preciso cuidado.

É preciso cuidado para não avançar além dos limites…e é preciso atenção para reconhecê-los – eles são, na maioria das vezes, internos, pessoais.

É preciso o cuidado de não dizer palavra forte para ouvidos fracos.
É preciso o cuidado de não exigir…pior ainda se a exigência for maior que as possibilidades.

É preciso ter cuidado de olhar por onde se pisa…um caminho sempre inclui a possibilidade de retorno, mas talvez as dificuldades sejam imensas ao tentar a meia-volta.

Arriscar demais é perigoso…contudo, estagnar-se é suicídio lento.

A coragem permite avanços imprevisíveis, mas só a concentração permite alcançar o alvo.

A vida passa rapidamente, é preciso treinar os sentidos e a sensibilidade para vê-la no que nos oferece de melhor…porque , o pior, este nos invade sem pudor,sem pedir licença.

Não se trata de fechar os olhos para o que nos magoa e , sim, não permitir que isto sobrepuje o que nos faz feliz.
A face escura e a face luminosa da vida nos envolvem, fazendo do cotidiano um jogo de escolhas.
O que nos faz felizes é sempre muito simples, embora o simples seja o de mais difícil alcance…nós o confundimos com o insuficiente, e o rejeitamos.
Fazer do simples um método de crescimento exige criatividade (de preferência sem nenhuma ansiedade).

O cotidiano é tido como banal, sem atrativos, sem glamour, quando não, sofrido. Visão de quem olha para a vida através de uma névoa dominada pelo menosprezo. Então a vida, para estas pessoas, mostra-se assim mesmo (questão de reciprocidade!).

Atentar para a vida através da claraboia do prazer e da criatividade, certamente, atrairá a luz que faltava. Se, em vez de uma simples vigia, uma janela é escancarada, aí então, tudo pode acontecer: desde a brisa benfazeja, os bons ventos, os chuviscos, as chuvas fortes; a luz do sol, dos raios e relâmpagos ; o som dos pássaros, das gentes, dos trovões, enfim, da vida em plenitude!
Todas as cores são belas porque o arco-íris é belo!

É assim que a vida se apresenta para todos,mas nem todos assim a enxergam.

São, estas, reflexões e experiências pessoais... talvez não lhes sirva para nada… Talvez.


quinta-feira, 28 de outubro de 2010

UMA HISTÓRIA DE AMOR



Permitam-me dividir com vocês algo inusitado, e absolutamente não desejado, que me aconteceu.

Fui adotada por um magnífico espécime de gato Siamês, com tudo que ele possui de belo e nobre.
Apareceu em meu jardim, e , em desespero de causa, avançou sobre a comida de Ninja, minha tartaruga, que por sinal se alimenta, entre outras coisas, de ração de gatos.... Magro, abatido,com olhar de "cão" abandonado, demonstrava estar perdido ou rejeitado.

O susto não me impediu de concluir: Ele precisa de ajuda!

Quem poderia negar o pedido expresso naqueles olhos tão meigos, de um azul profundo e misterioso?

Imediatamente o servi com farta porção do alimento em questão...e Ninja nem reclamou!

Pensei que a história acabaria aí. Infundado engano! Após comer com avidez, o lindinho ficou a me olhar. Eu estava quase conquistada...
Dia seguinte, ao acordar, como de hábito, fui ao jardim colher algumas flores.
Quem estava lá? O olhar!
Não satisfeito, Ele, o gato, veio ao meu encontro e, num gesto da mais absoluta sedução, ronronando uma melodia encantadora, enroscou-se em meus pés, acabando de me conquistar definitivamente!

Passados poucos dias já percebo que toda aquela encenação tinha um único objetivo: granjear o meu afeto.

Não sou volúvel nem inconsequente...tenho pra mim que qualquer pessoa passaria pelo que eu estou passando, se pusesse os olhos sobre Ele.
Só de vê-lo coração se enternece!

No seu "rosto"(recuso-me a chamar de cara), na macia máscara de veludo marrom-café quase atingindo o negro, eu vi refulgindo duas cintilantes águas-marinhas, de extraordinário azul transparente que nos conquista pela serenidade e delicadeza com que nos enfoca.
Creio que ali estava a mais rara combinação que a natureza poderia criar: um moreno acentuado envolvendo dois profundos olhos azuis! Haja coração!

A pisada solene, os movimentos lentos e estudados, lhe conferem nobreza somente comparável à dos felinos selvagens!

"Hoje Ele mora em minha aldeia [casa] comigo" (F. Pessoa)...Vive em constante meditação. Faz do silêncio seu ambiente. Sobre a almofada, dorme bastante...mas adora ficar pensativo, piscando lentamente os olhos sedutores.
Vez em quando levanta e vem conferir se ainda continuo sob o seu domínio...enrosca-se em minhas pernas, emite uma canção quase inaudível, olha nos meus olhos... e volta à preguiça, própria da sua espécie.


Os corriqueiros ruídos do funcionamento da casa não o perturbam. Ainda não sei se gosta de música. Observo-o. Quero muito que Ele seja feliz aqui.


O inesperado bateu à minha porta e eu abri sem restrições.
Acho que Ele veio substituir o Beija-Flor que se evadiu depois de dois anos de convivência afetiva. Prefiro acreditar que ele morreu...do que admitir que ele me abandonou.


Em nova (a)ventura...seja lá o que Deus quiser!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Chilenos... eles sobreviveram!

Ainda somos humanos!... é a grande inferência.

Todos os prognósticos eram adversos porque o diagnóstico era aterrador.

As circunstâncias se acumulavam e se equilibravam numa fragilidade de castelo de cartas prestes a desmoronar definitivamente.

O assombro externo só encontrava similaridade ao provável estado de estupor dos principais personagens do drama acontecendo e da tragédia que se prenunciava.

O ineditismo do acontecimento não permitia previsões nem contra nem a favor. Mas as dúvidas eram avassaladoramente dominantes. As ameaças reais e imaginárias eram tais que poderiam paralisar e engessar a movimentação e a criatividade geradoras de solução. Um túmulo a quase 700 metros de profundidade era o desafio que se revelava como um problema a ser resolvido, numa atitude (quase) acima da capacidade humana. Em luta contra o tempo, a altura de um prédio de 220 andares deveria ser vencida para que o resgate acontecesse.

A cada momento as dificuldades iam-se revelando...e as dúvidas se concretizando.

Era necessária a perfuração...e o que seria encontrado?

Rochas indevassáveis, ou frágeis, além da conta?

Lençóis freáticos com  possibilidade de inundação?

Exalação de gases subterrâneos contaminando o ar já pouco saudável, no qual o oxigênio e a temperatura adequados teriam que ser manipulados e conseguidos  através  do conhecimento técnico da equipe de salvação?

As dificuldades eram tantas que ultrapassam o quase absoluto desconhecimento de quem lhes escreve, neste momento. Desisto de enfocar esses problemas uma vez que poderia derramar sobre aqueles que me leem um monte de palavras insensatas e bobas. Sou apenas uma escriba ignorante e emocionada. Dois atributos que não me conferem validade.

E aqui fico a louvar, admirar e bendizer os resultados obtidos pela equipe de salvação em todas as etapas  do processo.

Mas, perdoem-me, não poderia deixar passar em branco o sentimento que me dominou e me dominará por longo tempo, creio mesmo que por todo o meusempre(tão limitado!) - Sinto-me honrada em fazer parte da comunidade humana! Se sou semelhante àqueles homens  que puderam conviver em condições não somente adversas, mas aterrorizantes.

Temos certeza que, nos primeiros 17 dias, a falta de perspectivas era a cegueira dominante àquele desafortunado grupo. Nada viam... nada sabiam... nada esperavam, talvez. E, no entanto não se encaminharam para a selvageria, para o desespero, para o desequilíbrio da certeza do desfecho trágico... "É impossível não ficar louco aqui dentro..." escreveu um deles. Contudo eles conseguiram conservar a lucidez.

Eles esperavam... e construiam, dentro de suas limitadíssimas possibilidades, o que lhes era permitido, para conservar e fazer crescer a sua própria hominização. Alguém já definiu: "...palavra que nenhum animal faria tal coisa...somente o bicho-homem seria capaz dessa conquista!"

Eram humanos, sim , lutando para tornar coletiva, ao seu desventurado grupo, a característica marcada pela solidariedade, pela empatia, pela compaixão, pela generosidade.

Cabe-me registrar o que sinto: sou humana, faço parte dessa honrosa categoria dos seres viventes da qual faz  parte  essa fatia que o mundo inteiro admira e aplaude.

Que as consequências advindas deste acontecido não venham diminuir a glória do inédito. Que o uso dos fatos não atinja o nível do abuso...em quiasquer dos vícios (econômicos, políticos, empresariais , midiáticos...) costumeiramente  vividos por uma humanidade  tão necessitada de bons exemplos.

Bom seria aproveitarmos , ao máximo, a lição!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Dinah, em O RETORNO

Pressionada por diversas circunstâncias estou a ponto de "voltar ao ponto de partida". Retornar à minha cidade, de onde parti há vinte anos, também desejosa de reconstruir-me em novas bases.
Quase toda a minha família já retornou, como avisou uma das minhas irmãs:
"Os elefantes se sentem obrigados a reencontrar as suas origens quando sentem a aproximação do Fim"...
Eis-me aqui, sofrendo as agruras de uma cidade que generosamente me acolheu em tempo de suaves circunstâncias, mas que a elefantíase do tráfego, o descontrole e o desrespeito às boas normas de convivência, o sumiço da afetividade sem restrições, o generoso estender de mãos acolhedoras sem exigir nada em troca está , cada vez mais, escasso.

Talvez a dificuldade esteja em minha maneira de ser, que não acompanhou as mudanças que o "progresso" exige. Ou , talvez o tal "progresso" não passe de um retrocesso!
O fato é que estou voltando!

Desenraizar-me novamente.
Arrancar do chão,
como se erva daninha fosse,
todo um esquema desenhado
(ao longo de um escasso tempo),
um ambiente com carinho elaborado,
cenário onde pude construir
e construir-me no que me restava
de tempo útil e proveitoso,
inda que de produto duvidoso.

Partir de novo?
Recomeçar?
Sim, teria que recomeçar...
Partir do zero
porque não quero re-construir!
Em nada quero me apoiar...
Virar mais uma esquina do viver...
Abrir novas janelas.
Uma nova brisa respirar
para que o cheiro de mar
me venha reanimar,
um novo alento
entrar por nova porta
e um colorido novo me sorrir.

Que louca!
Que tempo haveria
para um novo presente construir?

Enfim, vale a pena tentar...E lá vamos nós em nova embarcação e por antigos mares navegar...

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Sem volta - 2 anos depois


No mais alto da montanha

o gesto definitivo.

Agora não há mais volta,

o que está feito, está feito.

Rasgado o forro da almofada

as plumas pertencem ao vento…

Não cabe arrependimento.

plumas3

Em cada pluma, uma história…

Em cada história, um sentimento…

Em cada sentimento, a alma.

Assim

a alma do poeta

fez-se pássaro,

fez-se nuvem,

fez-se gota de orvalho

a revigorar a noite.

Liberdade – borboleta

perdeu-se em discretos rodopios,

sem limites,

sem controle,

sem fronteiras…

O infinito horizonte

é seu caminho.

Campos e vales

seu destino.

Impossível ao poeta

recuperar o que era seu.

Rasgado o peito,

a alma se evadiu

…mas não se sente só nem triste.

Em algum lugar distante,

quem sabe, num curto gesto,

uma delicada mão,

recolhendo-a suavemente,

vai lhe dar toda atenção.

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Pois é!

Diante das exigências do meu ainda restrito público, eis-me aqui, em rede, conversando com vocês.

Timidamente estendo as mãos. Deve haver, em algum lugar, alguém querendo dançar uma ciranda (não confundir com a ciranda global!!!). Refiro-me à ciranda que oferece o contato amigo, a presença sempre frontal que obriga o olho no olho, o que expressa confiança. A mão na mão faz circular energias inexploradas… o ritmo lento e constante não cansa jamais. Aquele passinho, que parece retroceder, apenas demonstra que não há pressa.

É, a ciranda, o real sentido da vida que escorre lenta para que se tenha tempo de fazer amigos.

Pena que tenhamos esquecido isto… e, muito apressadinhos, por vezes nos perdemos.

Mas vale a pena relembrar, nesta conversa com você.

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Vale , não a pena, mas O PRAZER de relembrar…

Este post acima foi o primeiro, a mensagem com a qual iniciei o blog Vamos Cirandar,há exatamente dois anos .

Eis-me aqui, hoje, para agradecer a frequência de todos os meus leitores a este local pretenso de levar palavras que , em algum momento, acrescentam um pouco de prazer aos que me ouvem.

Vocês não imaginam como eu gostaria que a nossa “casa”, a “nossa” sala, o nosso jardim , e por consequência o nosso blog , fossem ambientes de alto astral, mesmo quando os enfoques fossem “nublados” por culpa da tendência de quem lhes fala, a se deixar envolver por fortes emoções.

Acredito, mesmo, que as alegrias e as tristezas (por que não?!) da Existência precisam de um portavoz…Acho que os grandes valores desse círculo estão entre os músicos (letristas e melodistas) do nosso cancioneiro.

Como não me incluo nesta constelação de astros com luz própria, permito-me lançar ao vento as palavras com as quais venho alimentando este espaço.

E agradecer, com imenso carinho, aos que aqui aportam. Um beijo.