sábado, 23 de janeiro de 2010

Uma Bahia inesperada

Estive fora por uns dias. Fui conhecer um sertão de altitude, com temperatura baixa, muita água, muita flor, muita manga (cultivada a nível de exportação) e sobretudo muita surpresa.
Rio de Contas, uma cidadezinha (13.000 hab.) perdida no tempo. As modernidades tecnológicas são escassas. Podemos encontrar 1(uma) lan house que nos conecta com o resto do mundo. Celular, nem pensar (embora haja promessa para futuro próximo). Mas o telefone fixo funciona.

O seu histórico tem características, acredito que , únicas.
Foi, a princípio, um quilombo de escravos fugidos. Daí seu primeiso nome: Pouso dos Creoulos (instalado no final do sec.XVII, na parte meridional da Chapada Diamantina)... mas, alegria de pobre dura pouco... e, nas duas primeiras décadas do sec.XVIII, um tal de bandeirante encontrou ouro naquela região. E os negros foram "requisitados" para lavrar rios e grotões em busca do ambicionado minério... e de diamantes... Uma cruel re-escravidão floresceu como erva daninha, com toda a opulência e miséria que adveio disso.
Surgiram barões (o Barão de Macaúbas nasceu aí), coronéis, a cidade vivendo o apogeu da riqueza farta. Casarões suntuosos, estradas calçadas existentes até hoje, ruas largas com canteiros centrais - dizem ter sido a primeira cidade brasileira urbanisticamente planejada. Tudo isso pode ser constatado pois é uma cidade bem cuidada, limpa, casas com pintura recente...

A exuberância da natureza fica por conta das águas e a variedade de pedras encontradas em diversas cores. Pedras e águas brigam pela supremacia.
Há uma barragem inaugurada em 1983 que serve principalmente às cidades que ficam abaixo de Rio de Contas. Na desapropriação das terras para a sua construção, sofreram os descendentes dos escravos (de novo)- muitos, por não terem os documentos de posse da terra, foram simplesmente expulsos, sem indenização - é o que contam os remanescentes. Isso causou muita tristeza e até a morte dos mais velhos.
Passada a época dos garimpo e da sua força devastadora, ficaram histórias, construções, tradições e festas (religiosas) que atraem os visitantes. O Carnaval , dizem, é bastante concorrido.

A vegetação varia entre cerrado, caatinga e a flora dos Gerais.
O terreno encravado nas montanhas de pedra são verdadeiros santuários ecológicos e se tornaram área de proteção ambiental. Sua flora exótica chamou a atenção de cientistas de várias partes do mundo.

As cachoeiras!!! Ah! as cachoeiras!... Caindo de grandes alturas, as águas são O Espetáculo!
Inúmeras cachoeiras de variadas formações: largas, alvíssimas, de fartas espumas, um espetáculo fascinante!
Quedas d'água vindas lá do alto, estreitas como um chuveiro de água gelada, pronto para refazer as forças de quem penou até chegar lá (... e eu cheguei!).
Corredeiras, riachos com sua cor ferruginosa, absolutamente transparente, ribeirões... Todos cortam os caminhos que levam aos pontos turísticos mais explorados. Diga-se de passagem pouco explorados, pois conservam sua beleza original. Não há degradação. As trilhas aceitam movimento de carros até determinado ponto. A partir daí é " pernas pra que te quero!" E haja pernas!
As crianças que foram conosco (7 e 10 anos) se sentiram tal e qual Tarzan das Selvas... Adoraram tudo, a ponto de pesquisarem sobre " como se faz para comprar uma casa aqui?"

Os olhos da gente ficam cheios de imagens de cachoeiras... Os ouvidos percebem um silêncio contínuo que vem de longe, quase ancestral... Em uma tarde-noite compareceu uma trovoada rouca, grave, deliciosa de se ver ( os relâmpagos) e de se ouvir. A chuva forte, mas de pouca duração.

A cidade tem cara de sombra, rede e água fresca.
Os carros são raros.
Poluição zero.
Motos, só algumas. Livramento, cidade a alguns quilômetros abaixo de Rio de Contas, já tem 300 motoboys... Aqui,só 2.
Devido à altitude o clima ameno não nos permite suar. À noite esfria mais um pouco.
Fila, nenhuma... em nenhum lugar.
Um serviço anuncia o falecimento de alguém, e o sino dobra.
Não há miséria, não há mendigos.
Há cadeia, mas somente dois presos...

É o reino da Rural(Willys), carro utilitário dos anos 60. De aspecto pouco confiável elas sofreram "transplantes" que as tansformaram em verdadeiras cabritas a subir e descer montanhas. A que nos serviu tinha 37 anos! O guia com vasto conhecimento da região, foi exemplar... atento, educado, bem-humorado e responsável. Conhecido por Lé, é uma pessoa realmente confiável... e sua Rural, também, apesar do aspecto!

E o povo?
Sim um povo amável, hospitaleiro que sabe tratar o turista.
Mas que não costuma frequentar as ruas e as praças, estas sempre vazias. É como eu vi.
Aos visitantes é mostrado algo que fica distante do espírito baiano divulgado pela mídia e reconhecido como característica da nossa Bahia.
A cidade comporta os povoados de Barra e Bananal, originados de antigos guetos e habitados por negros descendentes de escravos. Vivendo da agricultura familiar e de artesanato (tecelagem em algodão cru), e da pesca,"conservam toda a riqueza cultural dos seus ancestrais"... reza o prospecto de propaganda turística. Mas...
Onde estão as baianas de acarajé? Onde os atabaques?
Não se fala em orixás... nem se encontra comida de origem afro nos restaurantes disponíveis... Estranho... Muito estranho!
As festas são sempre calcadas no calendário católico, religião esmagadoramente monopolizadora. E não há, nem nunca houve, miscigenação.

O distante povoado de Mato Grosso é habitado exclusivamente por descendentes de portugueses que não se misturam e procriam entre si, num isolamento inquietante para quem chega. Negociam com café, flores e outros elementos pouco relevantes.
Aliás um produto de qualidade superior que é conhecido além fronteiras é a cachaça.
Não chegamos a visitar os alambiques.
As flores desse povoado são bonitas, sobretudo as rosas.

Em Rio de Contas o tempo não passa nem corre... apenas escorre...
O que se pode detectar é que o isolamento preservou muita coisa importante,
mas destruiu outras talvez mais importantes ainda.

No entanto, é possível, com as mãos mergulhadas em algum riacho que escorre dentro da mata, encontrar um lindo cristal de rocha que desceu pelas cachoeiras! Ou descobrir uma orquídea escondida entre as folhagens!

As fotos virão a seguir...














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