sexta-feira, 12 de novembro de 2010

IMAGEM DESOLADA

Vejam só, meus amigos, quanta tolice pode sair da  imaginação de um(a) poeta, a partir de um mínimo episódio do cotidiano.


Insignificante descuido de uma dona-de-casa distraída (ou atenta?) é capaz de dar origem a um canto triste (de tristeza real ou fictícia, isto importa pouco) – o que importa é poder cantar…


Imagem desolada

A um canto da geladeira
algo ia perdendo o viço a cada dia
Mais pálido
Mais murcho
Mais sem lustro
Mais sem vida
…e não era uma pera!
Não queria ser visto,
atrás de outros objetos se escondia,
Sem seiva
Sem suco,
Sem sangue,
Sem poesia,
pensava-se esquecido
…não era uma pera!
Da pera, um pouco da forma, absorvia
…mas não era a pera.
Por falta de uso
Por falta de alimento
Por falta de sustento
Por falta de atenção, ele morria
…era o meu coração…



O que causa admiração é o atestado de validade que lhe confere o proeminente e respeitado pensador/escritor francês, Roland Barthes, que se debruçou sobre o perfil estrutural do discurso amoroso, identificando todo o processo através do qual o amante, o ser apaixonado, se expressa.


Afirma Barthes: “Seu [do apaixonado] discurso existe, unicamente por ondas de linguagem que lhe vem ao sabor de circunstâncias ínfimas , aleatórias.”


Dentre os “cacos” do discurso amoroso analisados por ele, um é especialmente encastoado na poesia acima (Imagem Desolada):


“Na ausência amorosa sou, tristemente, uma imagem descolada que seca, amarelece, encarquilha-se.”


De onde se pode concluir que, uma pera murcha, esquecida na geladeira, pode ser, sim, uma metáfora de um coração em agonia motivada pelo abandono.


P.S. Melhor para vocês, apaixonados, é ler “Fragmentos de um discurso amoroso” do acima citado autor.


Ficarão surpresos por se verem desnudados, sem dó nem pena!


Eu, particularmente, me “divirto” muito, lendo-o. 


Outro livro que recomendo, pertinente ao assunto: “A ética de uma paixão” de Mª Luiza Nora, recém lançado pela Editus.

Nenhum comentário: