segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Em preciosa companhia

Fora das minhas circunstâncias sou apenas metade de mim...( grata a filósofos e poetas!).

Sofro da ilusão de que vocês esperam que eu venha conversar. Aqui estou.

Encontrei hoje, em caderno antigo, uns versos que desejo repetir. Falam de uma agenda muito pessoal. Mudaram as circunstâncias, mas os sentimentos se assemelham muito.

Mário Quintana nos convoca a jamais datar poesias. O tempo cronológico é pouco importante quando se trata de sentimentos, disposições ...e indisposições.

Como afirma aquele pré-socrático filósofo, o rio nunca é o mesmo quando nele navegamos por duas vezes, mas nossas emoções de paz e guerra vão e voltam numa ciranda contínua, fazendo da alternância um ritmo constante.

Aquilo que um dia foi válido, pode-se repetir com vigor, nesta vida "cumprida a só", afinal "é de sonho e de pó o destino de um só, feito eu, perdido em pensamentos"...e exatamente isto é o que sobra para quem se rendeu ao imprudente ofício de fazer versos. Bons ou ruins? - é irrelevante.

Cotidiano

Francamente não entendo
a quem possa interessar
o jeito bem pessoal
como organizo a agenda.
Se vejo que a tristeza vem
ajudo a sua chegada :
leio João Guimarães Rosa.
Acompanho Tatarana
no Grande Sertão:Veredas,
naquele amor impossível,
naquele desespero mudo,
naquela tremida mão,
quase a alcançar o fruto,
mas sem poder alcançá-lo.
E a dor dilacerante
contida no arrependimento
de não ter falado a tempo
- um desperdício de Vida...
Se estou feliz, transbordante,
ouço música bem alto,
canto, rio, faço bolos,
distribuo chocolates
às crianças dos vizinhos,
dou mil voltas no jardim,
conto flores, rego as plantas,
observo beija-flores...
Sou boa pra todo mundo
...e a vida é boa pra mim!
Se acordo a televisão
(e prefiro não fazê-lo)
a dor ocupa meu peito
ao ver tanto descontrole.
O rio de desespero
que corre por sobre o mundo,
e corro a fazer poesia,
destilando a agonia
que invade o meu pensamento.
É dor! É tristeza! É pranto!
Não sei como o mundo aguenta
tanto descontentamento.
Às vezes a serenidade,
lenta, vem se aproximando
e me recolho ao sacrário
e ali me quedo, muda,
ou converso só comigo...
Nesta hora, o relógio não tem vez.
As horas passam sorrindo...Silêncio...
Com certeza sai poesia!
E assim se passam os dias
plenos de dor e alegria.
E curto cada momento
sentindo o gosto do azedo,
do amargo e, como convém,
degustando o doce, o ardente,
saboreando, com gosto,
o gosto que a Vida tem.

Este desabafo foi escrito no dia 8 de março de 2008, por uma curiosa circunstância, no chamado Dia Internacional da Mulher.

Ficaria bem satisfeita se meus leitores encontrassem e identificassem todas as referências contidas no texto...são filósofos, poetas, letristas da nossa música popular... e deixo um agradecimento especial a João Guimarães Rosa, companheiro de viagem, ao seu desamparado e desditoso personagem Riobaldo Tatarana... E a você !

sábado, 10 de setembro de 2011

11 de Setembro

A roda-gigante do tempo nos coloca, novamente, frente à trágica data.

Há dez anos, o mundo quedou-se estarrecido. Quem assistiu, mesmo de longe, ainda que pela televisão, não vai esquecer o assombro em que se sentiu mergulhado. O inacreditável acontecia ao vivo, a cores, em escala mundial, diante dos olhos arregalados do espectador.

Já não se tratava de ameaça ou ataque a um ponto qualquer da sociedade contemporânea, em um país periférico, ou sem muita expressão política (por mais terrível que isto seja), do mundo civilizado.

Agora o ponto fulcral, a alavanca, o ponto de apoio da sociedade de consumo, o coração da economia mundial fora atingido de morte.

Muita ousadia, indescritível atrevimento!

Que sopro forte e profundo!
Que sopro de acabamento!
Que sopro de fim de mundo!
(Cecília Meireles)
As torres de Manhattan

O castelo de cartas desmorona
e a dor se espalha como folha ao vento
A força destruindo a força
Ensanguentando o chão e o firmamento.
O espanto, o choque, o medo, o horror, a agonia.
Um ciclone cujo centro é o absurdo.
O inacreditável assombro envolve tudo
...e o pequenino ser se queda mudo.
A imensidão da onda faz sumir
aquele chão de suposta segurança.
De roldão a avalanche engole um mundo
e ali está o que sobrou após segundos:
Poeira, pó, fumaça, fogo, desespero...
Um sofrimento insano, perplexidade,
percorre a espinha dorsal da humanidade
que vê ruir, diante dos seus olhos,
o símbolo da força do dinheiro ,
O altar do poder, sacrário da ganância,
no qual um deus de ouro e pés de barro
é adorado
...e a conquista do sucesso é a promessa.
A hecatombe aconteceu inesperada
e o horizonte da ilusão foi devastado.
Bom seria que com ela desabasse
antiga forma de pensar, tão superada
que merecia ser, no escombro soterrada,
e, ali surgisse, nesta terra calcinada,
outra semente de esperança, mais sensata.
Que o terreno da brutal destruição
se torne campo onde a paz possa brotar
e uma nova consciência irradiar.
Levanta, ser humano, e reconstrói
Em outra base este teu mundo destruído
O teu irmão já condenou o que lhe dói:
tua vaidade, teu orgulho, tua riqueza.
Com isto tu feres, tu dominas e escravizas.
O enorme estrondo abalou a humanidade
fez destruir a ilusão
e a prepotência derreteu, sem compaixão.

Dura lição...é preciso comprender.

Que a história, ante o caos, saiba encontrar

um novo rumo, onde o menos valha mais

e o ter ceda lugar, enfim, ao ser.

A verdade possa andar, descalça e nua,

na consciência de que a Terra é toda sua

e a fraternidade possa, livre, acontecer.

O tempo continua passando... e o que se aprendeu com este acontecimento? O que mudou? De que se valeu a coletividade humana para encontrar melhores rumos no seu sofrido caminhar?

Vejo a lágrima que escorre
por cima da minha pena.
Ai! a pergunta é sempre enorme
e a resposta é tão pequena...
(Cecília Meireles)

Esta poesia, e os doídos versos de Cecília Meireles, são encontrados no meu primeiro livro: Canto e Contracanto( Quase diálogo com Cecília e Fernando), editado em 2007.


segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O Livro do Desassossego

Hoje, para sentir-me "grande" e atingir horizontes não calculáveis, vou somente transcrever textos de Fernando Pessoa - no momento criativo do seu heterônimo Bernardo Soares - textos estes publicados no instigante Livro do Desassossego .

Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.
Para t0d0s nós descerá a n0ite e chegará a diligência. G0z0 a brisa que me dã0 e a alma que me deram para g0zá- la, e nã0 interr0g0 mais, nem pr0cur0. Se 0 que deixar escrit0 n0 livr0 d0s viajantes puder, relid0 um dia p0r 0utr0s, entretê-l0s também na passagem, será bem. Se nã0 0 lerem, nem se entretiverem, será bem também .


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Se escrev0 0 que sint0 é p0rque assim diminu0 a febre de sentir, 0 que c0nfess0 nã0 tem imp0rtância.
Faç0 paisagens c0m 0 que sint0.

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Verific0 que, tantas vezes alegre, tantas vezes c0ntente , est0u sempre triste.

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Aqui 0 que, crei0, pr0duz em mim 0 sentiment0 pr0fund0 em que viv0, de inc0ngruência c0m 0s 0utr0s , é que a mai0ria pensa c0m a sensibilidade e eu sint0 c0m 0 pensament0

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É d0ming0 e nã0 tenh0 que fazer.
Nem s0nhar me apetece de tã0 bem que está 0 dia.
G0z0-0 c0m uma sinceridade de sentid0s a que a inteligência nã0 se aband0na.

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Sint0-me velh0 só para ter 0 prazer de me sentir rejuvenescer.

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São muito ricos, na palavra de Fernando Pessoa, os pensamentos reveladores dos desassossegos que costumam alimentar os sentimentos das pessoas comuns e das especiais...Alguns são deveras fortemente pessimistas, mas hoje não me interessa reproduzí-los.

Um forte abraço para todos!